O trabalho de Paulo Marchon está escrito com muita clareza e seu espírito científico transparece a cada momento, não se furtando a recorrer a autores consagrados, inclusive fora da psicanálise, como matemáticos e filósofos, quando percebe que assim facilitará a compreensão de algumas de suas idéias. Desta forma, vai nos levando aos seus temas de leituras mais ásperas. Marchon nos fez esta gentileza: estudou e filtrou os seus anos de leituras e práticas. Assim trata da atenção flutuante, inicialmente colocada por Freud, e os temas relativos ao conceito de sem memória e sem desejo, proposto por Bion.
A vida e a própria psicanálise, aqui representada na tentativa de compreender nosso paciente e seus conflitos, podem ser surpreendentes, e não devemos evitar que assim sejam. Confesso, pelo meu lado, que fico intrigado com vários temas. Por exemplo, quando o analista percebe o surgimento em sua mente de uma memória que lhe parece nada a ter a ver com o processo analítico em curso, suponho que ele possa ter duas opções: pode procurar afastar tal pensamento que se intrometeu em sua mente e voltar a ficar receptivo ao paciente, que é o que interessa, ou pode, pelo contrário, acolher e tentar compreender tal pensamento, na suposição de estar representando uma partícula nascida daquela relação terapeuta-paciente e, portanto, quem sabe, ser instrumento indispensável para a compreensão dos processos mentais do paciente. Mas como diferenciar ou classificar tais pensamentos que nos ocorrem? Seriam eles uma intromissão inadequada de um pensamento extemporâneo na cabeça do analista, ou fariam parte da essência do processo, despertados pela relação existente? Boa pergunta. Faz toda uma diferença a atitude que tomamos e cabe ao terapeuta diferenciar seus próprios pensamentos. Será que o pensamento nascido na mente do analista derivou justamente da sua relação com o paciente, ou terá nascido pela momentânea desatenção do terapeuta? Nada melhor que o analista examinar seus pensamentos, inclusive os extemporâneos, ou principalmente os extemporâneos, e verificar a utilidade que eles possam ter para a compreensão do paciente. O tratamento que irá se desenvolver depende do terapeuta, da sua capacidade de percepção, da sua conexão ao processo e diferenças mentais pessoais? Poderíamos supor que as intuições sejam tão variadas quanto as diferenças existentes entre os terapeutas ou entre os homens em geral. Cada qual com sua história, suas leituras, suas crenças... e intuição.
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