Sangue Azul, Leonardo Gudel


Morte e Corrupção da PM do Rio
Na Cidade Maravilhosa das Olimpíadas de 2016 há um monstro em gestação. Cuidado: falta pouco para nos engolir.

Quem se impressionou com “Tropa de Elite”, o filme, vai se chocar agora, definitivamente, com este relato perturbador e terrível. O policial militar da ativa Rubens – mas não se iludam, ele não se chama Rubens e não será identificado por motivos óbvios – relata sua vida e você espera então que ele discorra sobre heroísmo no combate ao crime, aos traficantes, aos assaltantes, aos corruptos.
Mas nada disso acontece. Após a suave auto-apresentação, esse falso Rubens abre sua autobiografia com a narrativa crua e apavorante de uma cena dantesca: o massacre impiedoso de pessoas provavelmente inocentes ou que, se culpadas, deveriam ser levadas a julgamento. Inevitável a lembrança de, por exemplo, filmes de Quentin Tarantino – o sangue jorra, rostos se desfiguram, corpos se estilhaçam. Mas não estamos, infelizmente, diante de um filme bem humorado e satírico. Aqui, é tudo brutalmente real. Despudoradamente real. Escandalosamente real.

Sangue Azul – morte e corrupção na PM do Rio trata da guerra civil não declarada que já existe no Rio de Janeiro e que, até agora, abate principalmente pobres, favelados ou não. Vemos aqui, pela voz de um deles, a história de policiais militares (os tais homens de “sangue azul”) dos quais se espera que nos protejam. Pouco a pouco, somos apresentados ao dia-a-dia dessa gente que também tem família, filhos, projetos de vida. Gente como a gente – mas existe algo de errado nessa história.
Eis, então, o drama: à medida que avançam em sua missão, esses policiais se corrompem, buscando dinheiro, e se dilaceram no abandono da ética e da própria humanidade. Transformam-se basicamente em matadores. Eles matam bandidos como se fossem justiceiros, mas, na dúvida, acabam matando qualquer um. E aí entram no crime. E então matam adversários. Matam concorrentes. Matam pessoas inocentes, inclusive mulheres e crianças. A barbárie. O horror.

Rubens, esse Rubens que não se chama Rubens, resolveu falar. Por que tão perigosa decisão, ainda que protegida pelo anonimato? Fui apresentado a esse Rubens que não se chama Rubens pelo jovem roteirista de cinema Leonardo Gudel. Um homem normal. Até o momento em que faz seu depoimento e pede sigilo. Por quê? “Bom, meu depoimento é uma confissão, não é? Se eu for identificado, foi preso e serei condenado”. Ponto.

Coube a Leonardo Gudel, que vai transformar essa história em filme, ouvir Rubens que não se chama Rubens e transcrever, com rigor e fidelidade, os horrores que ouviu. O policial se dilacera em seu relato seco, cruel, sem censura. Há momentos em que é difícil acreditar. Duvido que, em seus belos apartamentos nas avenidas Vieira Souto ou Atlântica, os cariocas pelo menos desconfiem de que a verdade é assim. Espero, sinceramente, que se assustem, ou melhor, que se apavorem. Os Rubens ainda não bateram na porta deles, mas essa hora não está longe de chegar.

O morro está logo ali, bem perto, e esses cidadãos convivem com balas perdidas, arrastões, um ou outro assalto. Os filhos deles vão ao morro buscar cocaína, todo mundo sabe. Mas, e agora? O que se relata aqui é outra coisa. É a visão do inferno. Do terror. De um monstro que nos espreita, pronto para nos engolir a qualquer momento.

Biblioteca Viva

Em 1947 Érico Veríssimo começou a escrever a trilogia "O Tempo e o Vento", cuja publicação só termina em 1962. Recebe vários prêmios, como o Jabuti e o Pen Club. Em 1965 publica "O Senhor Embaixador", ambientado num hipotético país do Caribe que lembra Cuba. Em 1967 é a vez do "Prisioneiro", parábola sobre a intervenção do Estados Unidos no Vietnam. Em plena ditadura, lança "Incidente em Antares" (1971), crítica ao regime militar. Em 1973 sai o primeiro volume de "Solo de Clarineta", seu livro de memórias. Morre em 1975, quando terminava o segundo volume, publicado postumamente.

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