"Retrato de um artista quando jovem" é uma obra limiar na trajetória do irlandês James Joyce (1882 - 1941). Com traços auto biográficos, esse "romance de formação" traz vários elementos que estavam presentes na coletânea de contos "Dublinenses": o habitat estagnado de Dublin (sua cidade natal), o peso asfixiante da religião católica e a questão da identidade nacional e cultural da Irlanda (com suas sempre incômoda subserviência à coroa inglesa). Mas se os dois livros foram publicados no mesmo ano de 1914, as narrativas de "Dublinenses" foram escritas muito antes e ainda pertence a um registro mais linear e realista, ao passo que o "Retrato de um artista quando jovem" traz o germe do terremoto estilístico produzido por Joyce em "Ulissses" (1922) e "Finnegans Wake" (1939). Com fluxos de consciência e uma aguda descrição das convulsões interiores pelas quais passa o protagonista Stephen Dedalus (cujo nome remete a Dédalo, o fabuloso artífice da mitologia grega), a linguagem do livro vai mudando conforme ele amadurece, até ceder à voz (já no epílogo, em forma de diário) ao próprio personagem - que assim se liberta dos fantasmas da moral católica, da culpa por suas fantasias eróticas, do ambiente amesquinhado da família e da Irlanda, fazendo da própria literatura instrumento para conquistar a liberdade e autonomia.
Manuel da Costa Pinto.
Crítico Literário e Colunista da Folha
Crítico Literário e Colunista da Folha
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